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Por que o ano não acaba exatamente à meia-noite do dia 31 de dezembro?

À medida que o relógio se aproxima da meia-noite no dia 31 de dezembro, milhões de pessoas ao redor do mundo se preparam para celebrar. É um momento repleto de brindes, fogos de artifício, emoções e esperanças renovadas. Este instante simboliza não apenas a despedida do ano velho, mas também a acolhida de um novo ciclo cheio de possibilidades. Mas, você já se perguntou por que, segundo nossas convenções, o ano termina exatamente à meia-noite do último dia de dezembro?

Essa pergunta pode parecer simples à primeira vista, mas desvenda um mundo fascinante de tradições culturais, convenções históricas e, surpreendentemente, complexidades astronômicas. Embora a contagem regressiva para o Ano Novo seja um evento globalmente reconhecido, a verdade é que a passagem do tempo e a marcação dos anos não são tão diretas quanto parecem. A definição do que constitui um “ano” varia significativamente dependendo de perspectivas culturais, históricas e científicas.

Nesta matéria, iremos explorar o conceito do ano sob diferentes ângulos. Vamos entender por que o calendário gregoriano, que rege a maior parte do mundo ocidental, define o fim e o início do ano nos momentos em que o faz. A jornada será enriquecida com detalhes revelados pelo astrônomo Eduard Larrañaga, que nos ajudará a compreender as complexidades astronômicas por trás do simples ato de virar uma página do calendário.

História e convenções do calendário

O calendário gregoriano foi inventado pelo astrônomo, médico e filósofo Aloysius Lilius. A ideia de alteração do calendário vigente, era poder corrigir alguns erros que do modelo anterior, o calendário juliano (Imagem: Efemérides do Éfemello)
A ideia de alteração do calendário vigente para o calendário gregoriano, era poder corrigir alguns erros do modelo anterior, o calendário juliano (Imagem: Efemérides do Éfemello)

O calendário que hoje domina grande parte do mundo ocidental, conhecido como calendário gregoriano, tem uma história que se entrelaça com a evolução da sociedade e da ciência. Introduzido em 1582 pelo Papa Gregório XIII, este calendário veio substituir o antigo calendário juliano, estabelecido por Júlio César em 46 a.C. A principal motivação para essa mudança foi corrigir desvios acumulados ao longo dos séculos na contagem do tempo, especialmente no que se refere às estações do ano e festividades religiosas.

O calendário juliano baseava-se na suposição de que um ano (o tempo que a Terra leva para completar uma órbita ao redor do Sol) tinha exatamente 365,25 dias. Embora essa estimativa fosse razoavelmente precisa, não era perfeita. Com o passar dos anos, pequenos erros acumulados resultaram em uma discrepância significativa. Para corrigir isso, o calendário gregoriano introduziu um sistema mais preciso de anos bissextos. Neste sistema, anos divisíveis por 100 só seriam bissextos se também fossem divisíveis por 400. Assim, enquanto 1600 e 2000 foram anos bissextos, 1700, 1800 e 1900 não foram.

Essa mudança reflete um ponto crucial: nossa medição do tempo é, em grande parte, uma convenção social. A escolha de começar o ano no dia 1º de janeiro não tem uma base astronômica específica, mas é, antes, um legado histórico e cultural. A decisão de definir o início e o fim do ano em determinados dias foi tomada com base em necessidades práticas e tradições religiosas e culturais da época.

Esta noção de tempo como uma construção social é reforçada quando observamos outras culturas e calendários. Por exemplo, na Etiópia, o ano de 2023 é na verdade 2016, de acordo com o calendário etíope, que tem suas próprias regras e tradições. Este é apenas um exemplo de como diferentes sociedades moldam sua compreensão do tempo.

A ciência por trás do tempo

Segundo Larrañaga, dado que a base para medir um ano é o tempo que a Terra leva para dar a volta no Sol, contar quando esse ciclo começa e termina pode ocorrer, na prática, a qualquer momento (Foto: Eduin Escobar / Pixabay)
Segundo Larrañaga, dado que a base para medir um ano é o tempo que a Terra leva para dar a volta no Sol, contar quando esse ciclo começa e termina pode ocorrer, na prática, a qualquer momento (Foto: Eduin Escobar / Pixabay)

Ao nos aprofundarmos na ciência que define a duração de um ano, encontramos um cenário intrigante. De acordo com Eduard Larrañaga, astrônomo do Observatório Astronômico Nacional da Universidade Nacional da Colômbia, existem diversas maneiras de medir um ano, cada uma com suas particularidades e implicações.

  1. Ano Juliano: Este é o conceito mais básico, uma herança do calendário juliano, onde um ano equivale a 365,25 dias. Este modelo simplificado é útil em muitos contextos científicos, mas é uma aproximação.
  2. Ano Sideral: Esta medida leva em consideração o tempo que a Terra leva para completar uma órbita ao redor do Sol em relação a um ponto fixo fora do nosso sistema solar, como um grupo distante de estrelas. A duração do ano sideral é de aproximadamente 365,25636 dias.
  3. Ano Trópico: Este conceito é vital para entender as estações do ano. O ano trópico mede o intervalo entre dois equinócios vernal consecutivos, com uma duração de cerca de 365,242189 dias. É a base para o calendário gregoriano, pois alinha o ano com as estações.
  4. Ano Anomalístico: Esta medida considera o tempo entre duas passagens consecutivas da Terra pelo periélio (o ponto em sua órbita mais próximo do Sol). Devido à influência gravitacional de outros planetas, principalmente Júpiter, este período varia ligeiramente, com uma duração média de 365,2596 dias.

Essas variações demonstram que a duração exata de um ano não é uma constante fixa, mas sim uma média que pode variar devido a fatores astronômicos complexos. Além disso, fenômenos como a precessão axial da Terra e as perturbações gravitacionais de outros corpos celestes podem influenciar a duração de cada tipo de ano. Assim, a escolha de um modelo específico de ano para nosso calendário é mais uma decisão prática do que uma verdade científica absoluta.

A influência do Sistema Solar

"É preciso levar em conta que a duração dos anos nunca é a mesma porque tudo muda no Sistema Solar. Veja o caso do ano anomalístico: enquanto a Terra gira em torno do Sol, o periélio muda como resultado da ação gravitacional de outros planetas, como Júpiter", explica Eduard Larrañaga - (Foto: Daniel Roberts / Pixabay)
“É preciso levar em conta que a duração dos anos nunca é a mesma porque tudo muda no Sistema Solar. Veja o caso do ano anomalístico: enquanto a Terra gira em torno do Sol, o periélio muda como resultado da ação gravitacional de outros planetas, como Júpiter”, explica Eduard Larrañaga – (Foto: Daniel Roberts / Pixabay)

A duração de um ano não é apenas uma questão de medição astronômica; ela também é profundamente influenciada por dinâmicas complexas dentro do nosso próprio Sistema Solar. Como Eduard Larrañaga explica, há fatores externos que afetam a maneira como medimos o tempo, especialmente em relação aos anos.

Um dos exemplos mais notáveis é o impacto da gravidade de outros planetas, particularmente Júpiter, no movimento da Terra. Este efeito gravitacional tem consequências significativas, especialmente no que diz respeito ao ano anomalístico. À medida que a Terra orbita o Sol, o periélio — o ponto em que a Terra está mais próxima do Sol — muda devido a estas influências gravitacionais. Isso resulta em pequenas, mas mensuráveis, variações na duração de um ano anomalístico.

Além disso, o ano trópico, que é essencial para o entendimento das estações do ano, também está sujeito a mudanças. A inclinação do eixo da Terra não é constante, mas oscila de forma similar a um pião. Este movimento, conhecido como precessão axial, significa que o ponto exato dos equinócios varia ao longo do tempo. Assim, a duração do ano trópico, medido entre dois equinócios de primavera consecutivos, também muda sutilmente.

Essas variações destacam um ponto crucial: enquanto nossa experiência do tempo pode parecer constante e previsível, na realidade ela é moldada por uma série de fatores astronômicos e físicos que estão em constante mudança. A interação dinâmica da Terra com outros corpos no Sistema Solar significa que, embora os anos sejam aproximadamente de mesma duração, eles nunca são exatamente iguais.

O tempo como um conceito Multidimensional

Através desta exploração sobre como e por que o ano não acaba exatamente à meia-noite do dia 31 de dezembro, ficou evidente que o conceito de tempo é muito mais multifacetado do que a maioria de nós percebe no dia a dia. As convenções do calendário gregoriano, embora amplamente adotadas, são apenas uma das muitas maneiras de entender o tempo, moldadas por necessidades práticas, tradições culturais e religiosas.

As explicações do astrônomo Eduard Larrañaga revelam a complexidade inerente ao medir um ano, destacando as variáveis astronômicas e as influências do Sistema Solar que impactam a duração exata de cada ano. Essas nuances astronômicas nos lembram que, embora nossa vida cotidiana dependa de uma noção precisa e uniforme do tempo, a realidade é muito mais complexa e dinâmica.

Ao olharmos para diferentes culturas, como a etíope, percebemos que o tempo é também um reflexo das percepções históricas e culturais de uma sociedade. Essas variações no entendimento e na marcação do tempo nos mostram que, longe de ser um conceito universal e imutável, a maneira como medimos e percebemos o tempo é profundamente influenciada pelo contexto em que vivemos.

Ao celebrarmos a chegada de um novo ano, vale a pena refletir sobre a riqueza e complexidade que se escondem por trás do simples ato de virar uma página do calendário. O tempo, como vemos, é uma tapeçaria tecida com fios de ciência, história, cultura e inovação contínua.

Rafael Nicácio

Estudante de Jornalismo, conta com a experiência de ter atuado nas assessorias de comunicação do Governo do Estado do Rio Grande do Norte e da Universidade Federal (UFRN). Trabalha com administração e redação em sites desde 2013 e, atualmente, administra o Portal N10 e a página Dinastia Nerd. E-mail para contato: rafael@oportaln10.com.br

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