Política

Lula e Biden se reúnem em New York para discutir sobre os direitos trabalhistas

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do Estados Unidos, Joe Biden vão lançar na próxima quarta-feira (20) em Nova York um documento batizado de “Coalizão Global pelo Trabalho”, no qual defenderão a liberdade sindical e as garantias aos trabalhadores por aplicativo, entre outras medidas. Nas palavras do Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, Biden e Lula irão se juntar “para destacar o papel central e crítico que os trabalhadores desempenham na construção de um país sustentável e democrático, um mundo equitativo e pacífico”.

Mesmo com o teor do texto ainda não esteja finalizado e tampouco seja público, ao menos quatro pessoas envolvidas em sua elaboração, tanto do lado americano quanto do brasileiro, disseram que os detalhes do acordo importam menos diante do que representa a própria existência da iniciativa.

Logo após uma série de solavancos, o lançamento representa um certo resgate da relação entre os dois líderes. “A sacada não está em algo escrito no documento, está no fato de que Brasil e EUA estão liderando isso juntos, que Lula e Biden construíram algo novo em conjunto”, afirmou à BBC News Brasil um dos auxiliares de Lula com envolvimento direto no assunto. O entusiasmo de Lula ficou evidente após uma conversa telefônica entre ele e Biden, em meados de agosto, na qual ambos alinhavaram detalhes da ideia. “É a primeira vez que trato com um presidente interessado nos trabalhadores”, pontuou Lula na ocasião.

Esse assunto é tratado como uma das grandes prioridades de Lula em sua agenda de cinco dias em Nova York. Tanto assim que, mesmo que tenha recebido mais de 50 pedidos de bilaterais. De acordo com fontes do Itamaraty, a única que já estava confirmada antes mesmo da partida do brasileiro para os EUA era a agenda com Biden. E ainda, Lula optou por não participar do lançamento público de títulos sustentáveis brasileiros na Bolsa de Valores de Nova York, nesta segunda-feira (18), porque, de acordo com um diplomata brasileiro ciente dos planos presidenciais, ele não queria que sua imagem na viagem ficasse vinculada ao touro de Wall Street “um símbolo da especulação capitalista” e sim à agenda pró-trabalhador.

Em busca de parceiros privados para obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em energia renovável, especialmente eólica e solar no Nordeste e de investidores americanos para o país, Lula optou por participar de um jantar fechado à imprensa, organizado pelas organizações patronais Fiesp e CNI, na noite de domingo, para o qual foram convidados cerca de 40 dirigentes de grandes empresas e fundos, como a Chevron, a Blackrock, o Citibank.

Relação entre Lula e Biden

Em 2022, graças ao apoio dos EUA à democracia brasileira e ao rápido reconhecimento da Casa Branca à vitória eleitoral de Lula, o começo da relação entre ele e Biden pareceu um ponto inicial para uma boa parceria. Contudo, em sua primeira visita a Washington, em fevereiro, Lula não foi recebido para uma visita de Estado nem pode falar ao Congresso, como desejava. A pouca ambição da agenda nos EUA foi contrastada com a pompa com a qual Lula foi recebido na China. Principal antagonista dos EUA globalmente, pouco mais de um mês depois.

Os americanos anunciaram o ingresso no Fundo Amazônia, mas com uma contribuição considerada tão baixa (US$ 50 milhões) que os negociadores brasileiros pediram para que o valor fosse excluído da declaração conjunta entre Brasil e EUA. Logo após isso, Biden anunciou a intenção de remeter US$ 500 milhões ao fundo. A soma, porém, precisa ser aprovada no Congresso. Sem maioria democrata na Câmara, parece cada vez menos provável que isso aconteça, ao menos este ano.

Os dois países também se estranharam no tema da Guerra na Ucrânia. Na China, Lula afirmou que os EUA deveriam parar de “incentivar a guerra”. Ao que o porta-voz do Conselho de Segurança dos EUA, John Kirby, respondeu dizendo que o líder brasileiro “papagaiava propaganda russa e chinesa”. A escalada de tensão ganhou tal dimensão que analistas dos dois lados começaram a cogitar “anti-americanismo”, por parte da política externa do Brasil.

Até que, segundo fontes do Brasil e dos EUA, Biden lançou a ideia de que os dois líderes se juntassem em uma iniciativa focada no trabalho. A primeira vez em que o tema foi tratado com o formato próximo ao atual foi durante uma reunião de ambos às margens do encontro do G7, em maio, em Hiroshima, no Japão.

Entenda o que haverá no documento

As fontes que estão envolvidas na negociação afirmam que a premissa do documento é a definição de “trabalho decente”. Da Organização Internacional do Trabalho, que define como tal o trabalho produtivo e de qualidade e que garante a liberdade sindical, o direito de negociação coletiva, promove a proteção social e elimina o trabalho forçado, infantil e formas de discriminação.

Com isso, estarão contemplados na iniciativa princípios para a garantia de liberdade de associação com atuação sindical, respeito a convenções e acordos coletivos atingidos pela categoria sobre negociações individuais, salvaguardas a trabalhadores de aplicativos, como entregadores ou motoristas. Que não devem ser tratados como empreendedores ou micro-empresários e sim como força de trabalho. E ainda, se tem a previsão de que o material trate dos empregos da nova economia verde, um dos temas que mais preocupa os líderes sindicais. Já que a transição econômica do combustível fóssil para a redução de emissão de carbono tende a eliminar mais postos de trabalho do que gerar.

Brasil e EUA têm leis trabalhistas muito distintas. Historicamente, o Brasil oferece muito mais garantias aos trabalhadores formais do que os EUA. Aqueles com carteira assinada no Brasil tem acesso a trinta dias de férias remuneradas anuais, a licença médica de 15 dias seguidas sem perda salarial, a licença maternidade de ao menos 4 meses e ao fundo de garantia ao trabalhador por tempo de serviço acrescido de multa de 40% em caso de demissão sem justa causa. Nada disso é padronizado nos EUA, onde o trabalhador precisa negociar diretamente com o patrão suas férias e dias de licença médica (que com frequência são a mesma coisa e não superam os 15 dias anuais). Licença-maternidade também não é assegurada nacionalmente e depende da política do empregador e de alguma cobertura do governo local para existir. Não há qualquer tipo de FGTS, o funcionário dispensado nada tem a receber pela rescisão do contrato, que não precisa ser justificada.

De acordo com os entusiastas da iniciativa, Brasil e EUA têm muito a trocar em relação ao assunto. Até porque no Brasil existe uma enorme informalidade dos trabalhadores, que estariam ainda mais desprotegidos do que a média dos americanos.


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