Tendência

Justiça determina pagamento de pensão alimentícia para cão em tratamento

Com base no conceito de família multiespécie, TJ fixa valor de pensão alimentícia para custear gastos com animal doente.

A 1ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, concedeu uma decisão inédita ao determinar o pagamento de pensão alimentícia para um cachorro que sofre de insuficiência pancreática exócrina, uma condição que exige tratamento especializado. Essa sentença se destaca como um marco no reconhecimento dos direitos dos animais de estimação no contexto familiar brasileiro.

De acordo com informações divulgadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a tutora do cão entrou com um pedido na Justiça contra o seu ex-marido, solicitando ajuda financeira para cobrir os custos do tratamento veterinário. O juiz Espagner Wallysen Vaz Leite decretou uma pensão alimentícia provisória correspondente a 30% do salário-mínimo, a ser paga pelo ex-marido, para contribuir com as despesas relacionadas à saúde do animal, como medicamentos e alimentação especial.

Em entrevista ao N10 Notícias, o advogado Leonardo Marcondes Madureira, especialista em Direito de Família e Sucessões, e também em Mediação e Resolução de Conflitos, explicou os fundamentos legais que embasaram a decisão. O principal fundamento legal é o reconhecimento de que os animais de estimação, dentro do contexto familiar, são mais do que simples ‘bens’. São seres sencientes, protegidos pelo artigo 225, §1º, VII da Constituição Federal, que trata da proteção da fauna. Além disso, o Código Civil, ainda que não trate especificamente de relações multiespécies, abre caminho para essa interpretação ao fixar o dever de cuidado em relações de afeto e convivência, afirmou.

A decisão da Justiça mineira pode abrir importantes precedentes para disputas futuras envolvendo animais de estimação, especialmente em casos de separação e divórcio. O advogado Madureira acrescenta que, trata-se de um marco no reconhecimento jurídico das relações familiares multiespécies. Com essa definição, abre-se um precedente para que, em disputas futuras, os animais de estimação sejam tratados de forma mais próxima à de membros da família. Isso pode impactar casos de divórcios, separações e até sucessões, onde a guarda, visitas e o sustento de animais serão abordados com maior frequência sob a ótica do afeto, e não apenas como questões patrimoniais, comentou.

Critérios para o valor da pensão alimentícia

O valor da pensão foi estabelecido com base em critérios semelhantes aos utilizados em processos de Direito de Família, como as necessidades do animal e as condições econômicas de ambos os tutores. O especialista Madureira explicou que, embora inovadores, seguem uma linha lógica já aplicada no Direito de Família, entre eles: necessidade do animal, possibilidades financeiras das partes e proporcionalidade. O montante é definido conforme as necessidades específicas do animal, como tratamentos médicos, alimentação especial, medicamentos e cuidados veterinários. O valor deve ser compatível com as condições econômicas de quem paga, para evitar onerosidade excessiva, e equilibrado, levando em consideração a gravidade do estado de saúde do animal e os custos de manutenção, sem desvirtuar o princípio da razoabilidade, pontuou.

O juiz, ao proferir a sentença, também destacou que, embora os animais não possuam personalidade jurídica, eles são sujeitos de direitos. No caso, o cão necessita de tratamentos contínuos e caros, o que justifica o compartilhamento dos custos entre os ex-tutores.

Próximos passos do processo

Atendendo ao que prevê o artigo 695 do Código de Processo Civil (CPC), o magistrado agendou uma audiência de conciliação no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania. Caso não haja acordo entre as partes, o processo seguirá os trâmites normais até o julgamento final.

Para o advogado Leonardo Marcondes Madureira, o conceito de família nos tribunais está passando por uma transformação importante, especialmente no que diz respeito às relações entre humanos e animais. O conceito de família nos tribunais tem se ampliado, sendo reconhecido, ainda que indiretamente, que os laços de afeto entre humanos e animais também precisam ser resguardados. O avanço dessa compreensão nos aproxima de uma realidade jurídica que pode vir a regulamentar melhor tais situações, quem sabe por meio de uma reforma no Código Civil ou da aprovação de leis que tratem especificamente da relação multiespécies, como já ocorre em alguns países europeus, concluiu Madureira.

A decisão reflete uma mudança significativa na forma como os tribunais brasileiros tratam os animais de estimação, e pode ser o primeiro passo para a regulamentação de direitos mais amplos para esses seres no contexto familiar.

Cachorro ganha direito à pensão alimentícia – Imagem de Mirko Sajkov por Pixabay

Rafael Nicácio

Estudante de Jornalismo, conta com a experiência de ter atuado nas assessorias de comunicação do Governo do Estado do Rio Grande do Norte e da Universidade Federal (UFRN). Trabalha com administração e redação em sites desde 2013 e, atualmente, administra o Portal N10 e a página Dinastia Nerd. E-mail para contato: rafael@oportaln10.com.br

Deixe uma resposta

Botão Voltar ao topo
Fechar

Permita anúncios para apoiar nosso site

📢 Desative o bloqueador de anúncios ou permita os anúncios em nosso site para continuar acessando nosso conteúdo gratuitamente. Os anúncios são essenciais para mantermos o jornalismo de qualidade.